Em julho de 2023 ocorrerá o 59º Congresso da União Nacional dos Estudantes, o CONUNE. Trata-se do maior fórum de deliberação do movimento estudantil brasileiro, onde é eleita uma nova direção para a entidade. É o primeiro CONUNE presencial desde 2019, portanto representa um importante momento de reestruturação do movimento estudantil nacional. Nas semanas que se seguem iniciaremos as eleições para tiragem de delegados do CONUNE na USP.
Nas últimas décadas, a UNE vem sendo dirigida principalmente pela União da Juventude Socialista (UJS), Juventude Pátria Livre (JPL) e por setores de juventude do PT. Esses setores constituem a ala majoritária na direção da entidade e têm construído uma UNE tímida e pouco combativa. Durante os governos petistas, essa ala negligenciou a mobilização estudantil pela base e serviu apenas como transmissora das políticas do governo, deixando de organizar a luta dos estudantes em momentos importantes na história do país, como nas ocupações das escolas em 2015. Desde então pouco se ouvia falar da UNE, e seu papel histórico foi se perdendo no imaginário das novas gerações de estudantes. Esse imobilismo viria a cobrar seu preço quando do Golpe de 2016. A UNE foi política e organizativamente incapaz de dar cabo à necessidade de mobilização imposta pela conjuntura cada vez mais intensa de precarização, exploração e morte da classe trabalhadora.
Durante o Governo Bolsonaro, a UNE, com muita pressão da oposição da entidade, mostrou que pode cumprir um papel essencial em mobilizações de escala nacional, como durante o Tsunami da Educação e as lutas por Vida, Pão, Vacina e Educação. Tais mobilizações, apesar de importantes, foram muito aquém das capacidades da entidade, que já dirigiu campanhas como "O Petróleo é nosso!" e "Diretas já!". Diante de mais um governo de conciliação de classes, presidido por Lula e Alckmin, é preciso lutar para que a UNE seja uma ferramenta independente de organização dos estudantes ao lado da classe trabalhadora.
Na USP, a conjuntura nacional se projetou de diferentes maneiras. Enfrentamos, hoje, os mesmos problemas que existem na Universidade há uma década. Há dez anos o movimento estudantil debate as mesmas pautas: privatização e terceirização dos bandejões e HUs, sucateamento das grades curriculares, falta de professores nos cursos, permanência, auxílios e fora PM são apenas alguns exemplos. Porém, essas pautas não se resumem a USP, são uma constante em todas as universidades do país. O movimento estudantil, neste novo ciclo, tem a tarefa de entender esse aspecto estrutural das lutas, entender que se trata de um projeto nacional capitalista para a educação, e dar consequência a um novo projeto, que construa uma Universidade Popular, da classe trabalhadora brasileira, entendendo que somente ela pode transformar radicalmente as estruturas da universidade. Nas mãos da majoritária, se colocando como um braço do governo, a UNE não foi capaz de dar consequência a essas tarefas históricas que se colocaram e se colocam até hoje. Agora, poderia ser diferente?
Vale recuperar o papel central de um DCE mobilizado para articulação das lutas no espaço universitário hoje. A gestão É Tudo pra Ontem, composta por forças da oposição de esquerda, dentre elas a UJC, foi capaz de conduzir lutas centrais sem se limitar a reuniões a portas fechadas com a reitoria sem que os estudantes sequer tivessem conhecimento. Enquanto UJC, dentro e fora do DCE, encampamos lutas por moradia e permanência lado a lado dos estudantes e centros acadêmicos nos mais diversos campi da capital e do interior.
As lutas que se desenvolvem hoje na Universidade de São Paulo não são questões particulares. Elas se inserem num amplo contexto de ataques às universidades públicas e às conquistas da classe trabalhadora.
Na mesma medida em que conquistamos políticas de ampliação do ingresso à Universidade — como as cotas —, também são vistos constantes ataques às possibilidades da classe trabalhadora de permanecer e transformar a USP. Marca disso é a política excludente, neoliberal e elitista de não distribuição de bolsas de permanência a estudantes em condições de maior vulnerabilidade socioeconômica.
O PAPFE (Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil) passou por uma transformação proposta pela Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento que dificultou o acesso ao auxílio por parte dos estudantes. Por mais que tenha ocorrido um aumento significativo no valor das bolsas, a unificação de todos os campi em uma só lista, as diversas cláusulas que dificultam o acesso às bolsas, a colocação de milhares de estudantes em "lista de espera" e a falta de diálogo e transparência da PRIP durante o processo apenas mostra como o Novo PAPFE é produto direto de um projeto elitista e burguês de educação que nunca deixou de vigorar no Brasil. O Novo PAPFE evidencia e reproduz marcadamente todas as diferenças socioeconômicas que existem no estado de São Paulo, não à toa os locais que mais sofreram com as políticas autoritárias da reitoria e da PRIP foram os mais precarizados da USP: EACH, CRUSP e diversos campi do interior, como São Carlos.
E as contradições ficam cada vez mais evidentes. A reitoria, que entrou em 2023 com um superávit milionário e um orçamento vultuoso, negou auxílio aos estudantes que dele necessitam para sobreviver. Ainda depois do período de recursos, cerca de 800 bolsas não foram distribuídas. Essa flagrante falta de transparência deve ser encarada como um projeto premeditado para expulsar os estudantes pobres da universidade. Para a construção de uma Universidade Popular, nenhuma decisão que impacte diretamente na vida dos estudantes deve ser tomada fora de conselhos que tenham paridade entre os setores. Essa é uma questão de democracia! Exigimos o pagamento imediato de todas as bolsas dos estudantes que solicitaram recurso e a reformulação democrática do PAPFE, em um conselho com paridade entre os três setores.
Junto à precarização do PAPFE, o capital privado avança em larga escala dentro da USP e, sob diferentes roupagens, é responsável pela precarização de serviços e de políticas fundamentais para a manutenção da universidade pública. A omissão da reitoria em relação aos auxílios apenas se interrompeu ao divulgar programas de bolsa provenientes de instituições privadas, como o programa USP Diversa, que permite e incentiva o recebimento de bolsas de capital privado, oferecidas por grandes bancos, como se a USP não tivesse orçamento suficiente. Isso não apenas contradiz os pressupostos de uma universidade pública, como garante a influência do interesse privado na educação. Vale ressaltar que os estudantes que foram contemplados por essas bolsas também tiveram problemas com o seu recebimento.
Para além das bolsas, o capital privado se manifesta através da constante e conhecida política de terceirização, que na mesma medida em que piora os serviços, piora drasticamente as condições de trabalho dos funcionários terceirizados. Podemos perceber isso nos bandejões, a exemplo da frequência de encontro com resíduos não alimentícios nas comidas dos RUs da Química (SP), Ribeirão Preto e Prefeitura (SP).
No processo de terceirização do RUCAS, em Piracicaba, as funcionárias passaram a receber ameaças de demissão. Outro caso é o da Faculdade de Medicina da capital, em que as funcionárias estavam sob um contrato que nunca respeitou seus direitos trabalhistas e diante da omissão da diretoria da FMUSP, ficaram arbitrariamente sem seus salários e benefícios. Se paralisassem, porém, eram ameaçadas de demissão, sendo forçadas a trabalhar sem pagamento ou perspectiva deste. O mesmo ocorre em São Carlos com as funcionárias da limpeza, onde as ameaças persistem.
A precarização avança de forma ampla e hoje vemos como outro exemplo a tentativa de privatização do HU, em retrocesso à vitória popular em 2014, que ocorreu mediante uma massiva mobilização de todos os setores da comunidade universitária e da comunidade externa.
Para que o Movimento Estudantil pare de repetir os mesmos erros e consiga avançar sobre pautas históricas, tanto na USP quanto em outras universidade Brasil afora, é preciso fortalecer uma UNE que compreenda que os problemas que enfrentamos hoje tem raízes em uma sociedade que deve ser superada. Sem isso, estaremos fadados a repetir as mesmas reivindicações por mais décadas e décadas.
Enquanto UJC, no último período, lutamos dentro e fora da entidade para que ela seguisse defendendo a vida da classe trabalhadora neste país. Encampamos lutas como pela revogação do Novo Ensino Médio e contra o arcabouço fiscal de Haddad, mesmo quando a majoritária escolheu, novamente, permanecer no imobilismo. Desde de 2022, na USP, nos levantamos contra as medidas autoritárias da reitoria e da PRIP, tanto em relação ao novo PAPFE, quanto em relação às constantes intervenções no Movimento Estudantil. Jamais abandonamos a luta dos estudantes, e não bradamos meias conquistas como vitórias do movimento, o que se provou correto em 2023.
Seguiremos na luta por uma Universidade Popular!